A Criança Interior — O Encontro com o que Fomos e Ainda Somos
- André Cally
- 18 de out.
- 2 min de leitura
por André Cally, psicanalista

Havia uma época em que o mundo parecia maior, as cores mais intensas e o tempo mais lento. Nessa fase da vida, quando éramos apenas uma criança tentando compreender o que significava existir, construímos silenciosamente os alicerces daquilo que nos tornamos. Cada olhar recebido, cada ausência percebida, cada gesto de afeto ou indiferença foi moldando a estrutura emocional que carregamos até hoje.
Mas a maioria de nós, ao crescer, acreditou que bastava amadurecer para deixar tudo isso no passado. Esquecemos que aquela criança não desapareceu. Ela continua dentro de nós, guardada, muitas vezes ferida, esperando ser escutada. E, enquanto não a ouvimos, ela encontra maneiras sutis — e outras nem tanto — de se manifestar.
É essa criança que aparece quando sentimos medo de sermos rejeitados, quando reagimos com raiva a pequenas críticas, ou quando nos vemos buscando incessantemente aprovação. Ela se revela nas vezes em que nos sentimos sozinhos em meio a uma multidão, quando o choro vem sem motivo aparente ou quando, por um instante, a vida parece perder o sentido.
A psicanálise nos ensina que o inconsciente não conhece tempo. Aquilo que fomos continua vivo em nós, repetindo padrões, buscando reconhecimento, tentando, de alguma forma, ser ouvido. O trabalho analítico é o espaço onde o adulto se reencontra com sua própria infância. É o momento em que deixamos de fugir e passamos a escutar.
Reencontrar a criança interior não é um ato de nostalgia, mas um gesto de coragem. É olhar para as dores que tentamos esconder, para os medos que disfarçamos com racionalidade, para as carências que transformamos em controle. É compreender que a parte de nós que um dia foi pequena ainda precisa de colo, de cuidado e, sobretudo, de permissão para existir.
Quando finalmente nos aproximamos dela, algo profundo acontece. O adulto deixa de carregar sozinho o peso do passado. A criança deixa de implorar por atenção. Surge, então, um diálogo silencioso — o encontro entre o que fomos e o que somos. E desse encontro nasce um novo sentido de inteireza.
Curar-se não é apagar as marcas da infância, mas dar-lhes um novo significado. É reconhecer que fomos feridos, mas também que sobrevivemos. É transformar a dor em compreensão, e a falta em amor próprio. E talvez seja exatamente aí que a verdadeira maturidade começa — no momento em que o adulto aprende a cuidar da criança que um dia só queria ser vista.
Se ao ler este texto você sentiu que algo dentro de você pediu atenção, talvez seja a sua criança interior pedindo para ser ouvida. Permita-se esse encontro. A psicanálise é o espaço seguro onde você pode compreender, acolher e ressignificar suas histórias.
Agende sua sessão e comece esse processo de reconciliação consigo mesmo.Porque antes de seguir em frente, é preciso voltar ao começo — e cuidar de quem você foi, para se tornar quem realmente é.







Comentários